Aborto, um relato
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Aborto, um relato


Abaixo transcrevo mais um artigo instigante das Blogueiras Feministas:
Aborto, um relato
Toda semana recebemos emails de mulheres desesperadas que nos procuram pedindo ajuda para realizar um aborto. Infelizmente, nada podemos fazer. Por ser crime, não temos como indicar locais e nem procedimentos seguros. Porque qualquer procedimento abortivo, que não esteja previsto em lei, é clandestino e mulheres ainda são presas por isso, podemos inclusive ser acusadas de cumplicidade.
O sentimento de estar grávida sem desejar, sem querer ver o feto se formar é devastador. Por isso, publicamos hoje o relato de H., mulher de 35 anos que conseguiu realizar um aborto clandestino. Por razões óbvias não podemos identificá-la, mas seu desabafo é também o desejo de que outras mulheres não tenham que passar pelo pesadelo de uma gravidez indesejada.
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Texto de H.
O senso comum diz, entre outras coisas, que o sonho de toda mulher é ser mãe, que só nos tornamos completas quando temos filhos, que o relógio biológico sempre fala mais alto. Será? Minha reação ao ver o médico me mostrando o feto na tela durante uma ecografia e ao ouvir o coração dele batendo foi: “puta que pariu, isso não é possível!”. O médico me dando parabéns e eu sentindo como se estivesse recebendo pêsames.
O senso comum também diz, entre outras coisas, que quem engravida é porque quis, porque não tomou cuidado. Mesmo? Perdi a virgindade há 20 anos, já transei com mais de 60 homens, nunca peguei nenhuma DST e, até agora, nunca havia engravidado. Será que sou uma sortuda ou alguém que sempre se cuidou e se preservou? Acho que ter sempre preservativos na bolsa, mesmo fazendo uso de anticoncepcionais, não pode ser classificado como descuido. Ou pode?
Porém, um dia você descobre 3 miomas no útero e precisa retirar o DIU. Um dia, em uma transa, a camisinha estoura e você, por precaução, apela para a pílula do dia seguinte. Um mês depois, você recebe a notícia de que está grávida. O sonho de toda mulher, principalmente daquelas que teriam, como você, maior dificuldade para engravidar. Para mim, o início de um pesadelo, o início do desespero.
Nunca sabemos como reagiremos a uma situação até que estejamos nela. Sempre fui a favor do direito de escolha, mas até este mês eu não sabia como seria minha reação. E, se antes eu já achava nossa legislação injusta com as mulheres, hoje a classifico como bovina! Que legislação é essa que me proíbe de fazer o que eu julgar melhor para mim e que me leva a situações de risco? Quantas mulheres por aí se dão mal por causa de nossa legislação estúpida?
Eu, no desespero e sem encontrar uma clínica, comprei remédios abortivos pela internet. Não funcionaram. Sentimento de maternidade é isso. É o não pertencimento. É não querer um corpo estranho dentro de si. É ficar triste porque o sangramento não era nada e a ida à emergência do hospital resultou apenas em saber que aquele corpo estranho está vivo e bem. É perguntar-se: “Por que esse negócio não morre logo?!” Gastei R$ 738 em comprimidos, para ouvir “parabéns” de um médico durante uma ecografia e ter a sensação de estar em um enterro. Não estou bem financeiramente, não podia ter gasto esse dinheiro, saí do consultório chorando muito, mais desesperada ainda. Alguns dias depois, consegui comprar Cytotec – dessa vez verdadeiro.
Gastei R$ 500 com 4 comprimidos que me deram a pior experiência, em termos de dor, que já tive na vida. Não recomendo a ninguém que não esteja, como eu estava, desesperada. A pior cólica que eu já havia tido até então não se compara: passei um dia inteiro sentindo tanta dor que, às vezes, a sensação era de que eu ia desmaiar! No dia seguinte, ainda sentindo muita dor, fui ao hospital. Precisei tomar soro e medicação para dor direto na veia, fizeram exames de sangue… O alívio não veio com a interrupção da dor e nem com os resultados normais dos exames: outra ecografia e dessa vez o médico me deu a notícia em tom de pêsames, mas minha sensação foi a de estar ouvindo “parabéns, você não está mais grávida”.
Foto do projeto “This Is My Abortion”, da americana Jane, que busca desmitificar a questão do aborto ao publicar fotos que tirou com o celular do seu procedimento, realizado de maneira legal nos Estados Unidos.
Eu não sabia e, para quem, como eu, também não sabe, o aborto não termina aí, a dor física não termina aí. Por sorte, não tive hemorragia forte, não precisei de curetagem, não fiquei hospitalizada. No entanto, para terminar de limpar o útero precisei tomar um remédio (medicação pós-aborto) durante 3 dias. Foram 3 dias sentindo vontade de vomitar, tendo cólicas fortíssimas, sem conseguir nem andar direito, chorando quando a dor voltava.
Fui ao inferno e voltei e, durante minha estada por lá, não me questionei em nenhum momento sobre o que fiz. Faria novamente. Não tenho nenhuma culpa, não tenho nenhuma dúvida. Minto. Tenho dúvidas sim. Me arrisquei, não tive escolha a não ser me arriscar – e não, para mim ser mãe não é uma opção, não é uma escolha, não quero, nunca quis. Porém, bem ou mal, tive $ pra comprar Cytotec, tenho plano de saúde e pude recorrer a atendimento médico… E as mulheres que não têm acesso a nada disso? Será que se algum homem tivesse que passar por isso, nossa legislação seria como é? Se a sua filha tivesse que passar por isso, você continuaria defendendo o direito de um embrião em vez de defender o direito dela?
Assassina. Monstra. Pecadores são rápidos em julgar o pecado alheio. Também já o fui. Percebi que o julgamento é inútil quando se trata da vida alheia – quem sou eu para julgar alguém a partir dos meus valores, das minhas crenças? Do que servem minhas experiências para a vida de alguém que não sou eu? Você quer ter um filho, eu queria fazer um aborto. Talvez amanhã eu queira muito ter um filho e você queira apenas se livrar de uma gravidez indesejada. Você sabe o dia de amanhã? Algum de nós sabe?
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Para saber mais sobre aborto em casos legais no Brasil:
Aspectos éticos do atendimento ao aborto legal (.pdf) – documento formulado pelo Instituto Anis.
Atenção humanizada ao abortamento (.pdf) – norma técnica do Ministério da Saúde.
Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes (.pdf) – norma técnica do Ministério da Saúde.
Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de violência sexual – perguntas e respostas para profissionais de saúde.
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