Cotas Abrem Portas
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Cotas Abrem Portas


A recente publicação do meu artigo "O Desafio da Convivência: Assessoria de Diversidade e Apoio aos Cotistas (2004-2008)", e os dez anos de implementação do sistema de cotas para negros na Universidade de Brasília, que deverão ser avaliados por uma comissão agora em 2013, renovaram-me lembranças dos intensos debates sobre ações afirmativas voltadas para as relações étnicas e raciais que ocorriam na época; colocações em torno da natureza, função e resultados da implementação de cotas raciais muitas vezes desinformadas, por vezes preconceituosas e, quase sempre, apaixonadas, independentemente do posicionamento do/a interlocutor/a.
A ideia de substituir o sistema de cotas para negros por cotas estritamente para pobres era comum, e ao meu ver demonstrava aquilo que denominamos de "cegueira colorida", isto é, desejava-se evitar o racismo negando que existem diferenciações sociais entre as pessoas devido a sua aparência/características anatômicas e a sua cor de pele. Um tipo de sistema não exclui o outro, de modo que a questão só faria sentido em um contexto no qual, objetivamente, não se desejasse ver negros incluídos.
Era corrente o argumento prosaico de que "o governo quer desunir o que está unido e importa um problema que não é nosso, que é o problema da segregação racial". Ora, não ver que há racismo e segregação racial no Brasil é parte desse processo muitas vezes inconsciente da cegueira colorida (que tecnicamente podemos considerar como uma expressão de "colusão", que, sinteticamente, é praticar discriminar sem "intenção", sem perceber que se está vilipendiando uma outra pessoa ou um grupo), pois há racismo neste país e ele é um problema que deve ser reconhecido para ser enfrentado.
É notável hoje que parte considerável da população brasileira, mesmo tendo pouca informação acerca das filigranas e dos meandros das políticas de ações afirmativas para as pessoas negras, entende que elas têm por objetivo remediar situações estruturais desvantajosas a um grupo social, ainda que impliquem tratamento temporariamente favorável a esse mesmo grupo. Ela percebe a necessidade de atender a uma demanda ética decorrente da pouca presença de negras e negros em nossas universidades, em todos os níveis: dos estudantes, passando pelos técnicos e chegando aos professores.
Nos Estados Unidos o modelo, que não se restringiu ao espaço acadêmico, mas também abrangeu o mercado de trabalho, funcionou bem, possibilitando a formação de uma classe média negra, de uma elite negra que não ainda existe no Brasil (estou falando de contingentes, e não de indivíduos e grupos isolados). Não à toa lá haja o background que possibilitou a candidatura de um presidenciável negro.
Afirmar que as cotas gerariam mais ódio racial era de praxe, ignorando-se os fatos históricos e sociais e se esquecendo que o racismo já existia antes de políticas que o combatessem. Entendo que, em termos psicossociais, o objetivo de quaisquer ações afirmativas é o de formar uma massa crítica que se inserirá nos espaços de poder, empoderá-la, para fortalecer o trabalho de transformação das demandas sociais que, obviamente, não conseguirão ser totalmente abrangidas pelas cotas raciais. Políticas afirmativas, quaisquer que sejam, não excluem a necessidade do desenvolvimento de educação pública de qualidade, são ambos projetos fundamentais para a inclusão da população negra brasileira, mas atendem a questões específicas, e não devem ser considerados antônimos.
Cotas por classe social são importantes sim, mas sem que se negue a dimensão racial da pobreza e da exclusão no Brasil, identificada por institutos sérios como o IBGE e o IPEA. Preconceito contra os negros não é existir cota racial, preconceito contra os negros são as barreiras impostas neste país para sua ascensão, para um mínimo de reparação aos três séculos em que a população negra foi explorada como mão-de-obra escrava, e depois excluída do acesso aos recursos culturais e econômicos que ela mesma construiu.
Daí também a dimensão perversa do embranquecimento no Brasil, onde negros de diferentes matizes são estimulados pelo racismo institucional a desprezarem sua aparência, onde pessoas negras, em toda sua diversidade interna, não se vêem representadas nos meios de comunicação visual de massa, senão como estereótipos de sua pluralidade.
O racismo no Brasil se dá pela aparência, por isso não faz o menor sentido falar de herança genética - outro tópico corriqueiro há 10 anos - quando pessoas negras são discriminadas por empregadores ou mortas sem que se precise fazer qualquer tipo de exame de DNA. Na vida cotidiana, socialmente construída, o olhar do outro também constrói a identidade racial, de modo que não basta "se achar" negro, branco ou seja lá de que cor, meramente em função de ancestralidade.
Concluindo, reafirmo algumas das palavras de Martin Luther King que servem plenamente para essa discussão: "é óbvio que, se um homem chega com 300 anos de atraso ao ponto de largada de uma corrida, terá que fazer um tremendo esforço para alcançar o outro corredor", e "uma sociedade que fez coisas especiais contra o negro durante centenas de anos agora precisa fazer alguma coisa especial por ele, equipando-o para competir numa base justa e igual".
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