Esta crônica foi publicada no Correio Braziliense de 14 de setembro.
Veja aqui.
UM ROSTO PARA BRASÍLIA
Jaqueline Gomes de Jesus
Machado de Assis escreveu, em Tempo de Crise, um dos Contos Avulsos: “Uma cidade é um corpo de pedra com um rosto (...) eloquente que exprime todos os sentimentos e todas as ideias”. Que rosto tem Brasília? Fico precavida em apontar algum porque teria de entender, em primeiro lugar, qual é o corpo desta cidade-capital para seus moradores.
Para mim Brasília é todo o concreto e pessoas que cabem no quadradinho (ou retângulo, como preferirem). Mas sou uma opinião chata e vencida por tantas vozes que fazem surgir cidades nesta cidade. Cansei de ligar a televisão e ouvir o termo “cidade de” ser repetido em uma mesma frase como se fosse um artigo. Necessidade de afirmação, panaceia, hábito, dinheiro.
No Distrito Federal temos até uma Praça Municipal, e um Mercado Municipal, lugar esse agradabilíssimo. Encontrei o dono, um desses empreendedores indispensáveis para manter a cidade viva, no dia da inauguração. Perguntei-lhe por que chamou o mercado de municipal não vivemos nem em um Estado, nem em um município. “Tradição”, foi a resposta, que me fez pensar.
Necessidade de tradição em uma cidade submetida ao pesado dever de ser Capital Federal, com apenas meio século de História, soa como a busca pelo que nos falta — paciência. Isso talvez tenha a ver com as tantas cidades que tantos buscam criar nesta cidade. Vivemos a nostalgia da cidade, mesmo que metade da população tenha nascido aqui.
Alguns de nós compensam isso tentando fazer parir de nossa singularidade algo familiar, prosaico, um presente com tradição. Eu mesma me peguei outro dia estranhando o hidrante vermelho que instalaram na frente do Palácio do Planalto, com a recente reforma. Primeiro por ele estar logo ali, segundo porque todos os velhos hidrantes de Brasília são amarelos.
Outros tentam resgatar as cidades que a cidade, fragmentada por grandes distâncias e separação rígida entre ricos e pobres, não consegue lhes oferecer. Ainda há os que se aproveitem disso para tentarem construir seus próprios municípios e Estados. Há os que anseiam ter ou ser prefeitos.
Quem quiser, tente achar um rosto para Brasília. No momento me indago qual é o corpo.
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