UMA NOITE NA REDE
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UMA NOITE NA REDE



No começo da noite de segunda-feira, 28 de setembro, participei de minha primeira reunião com os colegas da Rede Sustentabilidade do Rio de Janeiro. Realizou-se na Câmara dos Vereadores, poucos dias após a adesão do deputado federal Alessandro Molon e do senador Randolfe Rodrigues à Rede, um dos assuntos em pauta.

Eu me senti como uma caloura entusiasmada com o primeiro dia de aula. Porém, ao invés de ter minha ingenuidade frustrada, deparei-me com uma sala lotada de gente de muitas cores e classes sociais, de universidades e da agricultura familiar, dos gabinetes e das ruas, homens e mulheres da capital e de outros municípios fluminenses. A primeira impressão foi a de estar sendo brindada com uma adorável recepção.

No meio das apresentações pessoais, chegaram pessoas com uniformes cor de laranja, garis. Veio-me imediatamente a lembrança de sua histórica paralisação, aqui mesmo no Rio, na qual eles discordaram das orientações do sindicato da categoria e, autonomamente, seguirem exigindo o atendimento à sua agenda, por meio de suas lideranças informais.

Quem não compreende a força dessa iniciativa, não pode entender plenamente o significado da palavra “conscientização”.

Com toda autenticidade, eles falaram de si e de suas lutas, de como as autoridades públicas os desprezam e o povo lhes têm carinho e gratidão; de que são, em sua esmagadora maioria, moradores de comunidades (favelas), e que, portanto, conhecem muito bem as dificuldades nesses lugares; de que tinham porta-vozes e agora têm líderes; de que sabem que o nome atribuído a sua categoria deriva do nome de um francês (Aleixo Gary, proprietário de uma antiga empresa responsável pela limpeza das ruas da cidade do Rio de Janeiro), e que, reconhecendo seu papel para a saúde pública, defendem agora que sejam considerados “agentes de saúde ambiental”.

Lembrei de tantas aulas, debates e audiências sobre trabalho das quais já participei... Em universidades e outras organizações sociais, políticas ou comunitárias, Brasil afora. Percebi que eu nunca tinha tido a oportunidade de dividir espaço com garis, e de ouvi-los.

Nesse momento tive uma epifania: estava aprendendo, com aqueles trabalhadores, tão recorrentemente vistos pela elite brasileira como o “mais baixo da escala do trabalho”, mais sobre trabalho vivo, luta e movimentos sociais do que em décadas de leituras e reflexões longe das ruas.

A Rede era, ali, um ponto de encontro de trabalhadores de todas as categorias, capaz de me reunir com o meu povo, de nos reunir com o nosso povo.

Foi uma experiência fascinante, inspiradora ao ponto de me fazer digitar freneticamente, no celular, linhas de uma prosa poética acerca do espírito daquela confraternização:


A Rede nos une. 
A Rede, substantivo feminino que a todos acolhe. 
Penso na Rede de Pescar, na Rede de Deitar, na Rede que nos interliga ao mundo. 
Está no litoral e está no sertão. Nada no mar, deita na areia, salta das mãos do pescador, nasce dos dedos da tecelã, embala o descanso e sonhos das crianças aos idosos. 
Coisa tão brasileira, a Rede. Como a farinha. Ambas nos sustentam. Tão abandonadas nestes belos tempos de soníferos, fast food e facebook, quando se torna mais fácil dormir, comer e falar, porém com pouco esforço para sonhar, apreciar e debater. 
Eu sou uma linha nessa Rede, faço parte dessa trama que conecta norte, sul, leste e oeste. 
Eu sou um grão nessa farinha, incrementando o alimento, fazendo meios-termos: secando o úmido, sendo também molhada. 
Na Rede reinventamos a vida, porque tecemos sonhos, e deles nos nutrimos.

Há quanto tempo uma reunião não me fazia sentir tão viva! A política se tornava, naquela sala, poesia. O reconhecimento de que o pensamento é livre, de que as pessoas não dependem da vinculação a uma instituição ou a um cargo para analisarem o mundo que as cerca.

Eu vi esperança nas palavras, acreditei nas pessoas que ouvi e compartilhei com elas fé em um novo fazer no espaço público. Pode ser que nosso entusiasmo futuramente se mostre ilusório, mas há nessa crença o embrião de alguma mudança.

Pelo bem de nossa agenda em construção, pela credibilidade que buscamos, pelo respeito aos nossos princípios, não podemos dar respostas prontas, nem devemos. Tentaremos traçar, entre nós e com quem mais que faça parte dessa turma que ainda sonha, caminhos que nos levem, quem sabe um dia, para um Brasil melhor, menos opressivo e mais libertário, para todas e todas.


É desgastado repetir o antigo provérbio chinês, porém ele cabe muito bem nesta reflexão, mesmo que com outras palavras: a longa caminhada se inicia com um passo.




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