Nossas Qualidades
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Nossas Qualidades


Há alguns anos tive o prazer de assistir um concerto na Ópera de Manaus. Conversando com os meus vizinhos de camarote descobri paulistas e alemães. Ao saber que sou candanga (apesar de jovem, permito-me chamar assim às vezes), o casal de paulistas, de forma automática e deseducada, falou que eu vivia na cidade da corrupção. Ao que os alemães perguntaram: “Você é corrupta”?


Não entrarei nos detalhes da minha resposta, aliás bem didática, tanto para paulistas quanto para alemães, mas o episódio serve para refletirmos sobre quem somos e como somos vistos, os brasilienses.


Se há uma característica que desenvolvemos com precisão, ao longo deste meio século de capital, provinciana, mas federal, foi o cinismo.



Muitos aspectos de nossa identidade, vistas por outros como defeitos, são nossas qualidades de sobreviventes; o cinismo é uma excelente estratégia quando se vive em um faroeste, onde ideias velhas enfrentam, diariamente, ideais ainda não realizados.



Se já há algo de muito refinado em nossa cultura é essa capacidade impressionante de ironizar nossos limites, e os dos outros, com um sorriso afável. Qualidade bem particular dos brasilienses que os pósteros aprofundarão mais habilmente do que nós, que ainda levamos toda crítica a sério e rimos pouco de nossa pequenez.



Esse é um ponto crucial para quem quiser nos entender, inclusive nós mesmos: temos um imenso potencial para rir de nós, o qual, porém, aproveitamos mal, nessa mania de querer nos ver como pessoas sempre melhores, e corretas.



Daí um de nossos defeitos, somos presunçosos, mas não nos reconhecemos como tais.



Certa feita um colega se disse insultado porque lhe falei isso, dizia-se brasiliense “e, certamente, quem mora no Itapoã não tem a soberba do pessoal do Plano”. Pode ser, mas pessoalmente não faço essa acepção de pessoas em função do bairro/região onde moram nesta cidade fragmentada.



Apesar de ter nascido na Asa Sul e andado grande parte da minha infância e adolescência no triângulo entre o Setor “O”, Taguatinga Norte e a Asa Norte, não vejo problema algum em reconhecer que, por sermos habitantes da Capital Federal, supostamente cosmopolita, às vezes perdemos a noção dos pequenos problemas que deveríamos resolver no dia-a-dia e nos alçamos a vôos muito altos, filhos da fundação que somos, porém descrentes do amanhã, estáticos perante um passado tombado como eterna modernidade. Nem mesmo o tempo é eterno.



Então, porque sorrimos cinicamente para suportar o achaque diário e impune dos presunçosos, corruptos e poderosos, disseminamos nesta cidade uma doença, ela se chama normopatia.



A normopatia é a epidemia social que assola Brasília por dentro, como o ovo na galinha. Esse mal nos paralisa e à nossa ética, e nos faz crer que tudo isso que aí está é certo, que nossas normas estão corretas. Para quê (nos) questionar? E quem foge dos padrões dessas normas é vítima dos diferentes filhotes do apartheid que dividiu Brasília em regiões, afastadas, para ricos e para pobres, para negros e para brancos, condomínios e invasões, e cada grupinho no seu quadradinho.



Quanto sofrimento ainda haverá por conta de nossa imaturidade? Mas, se tudo der certo, riremos mais de nós mesmos.



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