Banheiros para Novos Apartados?
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Banheiros para Novos Apartados?


BANHEIROS PARA NOVOS APARTADOS?
Jaqueline Gomes de Jesus
Psicóloga e Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília
Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte uma doutoranda foi impedida por seguranças de utilizar o banheiro feminino porque era transexual. Ao se opor a essa arbitrariedade, ameaçaram arrancar-lhe a cabeça. Como resposta da instituição, foi aventada a criação de um banheiro unissex, o que não me parece solução, mas opção impensada pela criação de um espaço estigmatizado e apartado para cidadãos considerados de “segunda classe”.
Uma travesti que tinha processado um shopping mineiro por tê-la impedido de usar o banheiro feminino recebeu estupefata a decisão do juiz, segundo o qual o ato do shopping foi correto, para “preservar a própria segurança e ordem no uso do banheiro público reservado às mulheres”. Infere-se, das palavras desse magistrado, que travestis são naturalmente perigosas, acarretam risco para si e para outros, e que é justo excluí-las ou expô-las aos perigos de uma pessoa com aparência feminina usar um banheiro masculino. Ela afirmou que irá recorrer.
É uma obviedade afirmar que as pessoas precisam ter acesso a um banheiro. Entretanto, vê-se que há casos de pessoas transgênero (transexuais e travestis) sendo impedidas desse direito, geralmente por autoridades desinformadas. A iniquidade no acesso ao banheiro tem sido uma das maiores barreiras para a integração de homens e mulheres transexuais na sociedade brasileira.
Apartheid: palavra da língua holandesa sul-africana que significa “à parte”. Na África do Sul o termo definia a política de segregação entre os brancos e os definidos como “não-brancos”, com base em uma filosofia que reivindicava a supremacia dos brancos. As pessoas eram obrigadas a ocupar espaços diferentes, em função da sua cor, incluindo banheiros. Historicamente, a falta de banheiros femininos foi uma estratégia para manter mulheres fora de espaços tradicionalmente dominados por homens. Ressalte-se que apenas na época da constituinte um banheiro feminino foi instalado para as deputadas no Congresso Nacional.
Essa é uma questão de gênero, e se está repetindo essas apartações com relação a mulheres transexuais (preconceituosamente consideradas inferiores às mulheres biológicas) e aos homens transexuais (também considerados, por alguns, como inferiores aos biológicos). A identidade de gênero é central para vida pública e privada de qualquer ser humano, não apenas para as pessoas transexuais, independentemente de anatomia ou fisiologia. Não reconhecer essa vivência leva a sofrimento e constrangimentos.
Como resultado de toda essa discriminação, as travestis, os homens e as mulheres transexuais que enfrentam o problema têm sofrido problemas graves de saúde, e até mesmo são demitidos ou abandonam a escola por se recusarem a utilizar um banheiro para pessoas de um gênero com o qual não se identificam.
E especialmente as mulheres transexuais, quando se submetem ao absurdo de utilizar um banheiro masculino, são alvo de agressões e abuso sexual. É justo que elas sejam abusadas? Elas não gozam das mesmas proteções legais dos demais cidadãos? Isso é desumano.
Os casos de proibição do uso de banheiro evidenciam uma lógica de discriminação, cuja mensagem é a de que essas pessoas são percebidas como ameaçadoras, ou que é normal serem agredidas por pessoas ignorantes, percepções evidentemente estereotipadas, e que levam à concepção inconstitucional de que, com tal proibição a mulheres e homens transexuais, estar-se-ia “prevenindo crimes”, fato visto apenas nas histórias de ficção científica.
É indispensável reconhecer que locais de trabalho, escolas e outros espaços públicos e privados precisam tornar os banheiros acessíveis e seguros também para as pessoas transgênero. Essa é uma questão fundamental de acessibilidade e respeito ao ser humano.
Há honrosas exceções. Instituições públicas e privadas têm compreendido as demandas da população transgênero que nelas trabalha ou usa seus serviços, e mesmo que não haja legislações a respeito, têm adotado os nomes e permitido acesso aos banheiros concordantes com o gênero com o qual as pessoas se identificam. É preciso, porém, que as cidadãs e os cidadãos preocupados com o avanço da democracia no Brasil estejam atentas para eventuais violações de direitos fundamentais, decorrentes de puro preconceito.
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